Em "Oh, Killstrike" você leitor, é o protagonista.
Se você está lendo esta resenha provavelmente é um leitor de quadrinhos. Talvez você seja um novo leitor ou um velho leitor, mas isso é indiferente. O fato é que em determinado momento da sua vida, por algum motivo as publicações que você acompanha te irritaram e você teve de dar um tempo... Ou não! Você não deu um tempo na revista, mas se viu acompanhando um material de qualidade duvidosa e ruminando uma amargura lenta. Esta angústia se tornou ranço e até hoje você lembra do filho a puta (ou do bando de filhos da puta) que estragou seus gibis. Esta é a sina do leitor de quadrinhos, seja ele quem for. É ou não é?
"Oh, Killstrike" é um novo lançamento da BOOM! Studios escrito por Max Bemis e ilustrado por Logan Farber que conta a história de um de nós, leitores de quadrinhos. Jared na verdade está longe de ser um leitor casual de quadrinhos. O sujeito, que já é um pai de família, é um leitor antigo e rancoroso que já leu de tudo das décadas de 1960, 70, 80, 90 e abandonou as publicações "mainstream" por conta de todos aqueles motivos que todos nós estamos cansados de reclamar. Ao ver uma oportunidade de ganhar uma boa grana com sua edição número 1 do "pior quadrinho da história", intitulado "Killtrike", Jared viaja até a casa de sua mãe para resgatar o gibi que está em seu antigo sótão. E é aí que o personagem literalmente pula de dentro da revista diretamente para a vida do cara.
Killstrike é o herói quintessencial dos anos 1990: Gigante, carrancudo, violento, unidimensional, sedento por vingança e tem todos aqueles adereços visuais que não podem faltar a um personagem do tipo como as tatuagens, o rifle de assalto gigante, facas táticas e as indefectíveis pochetes de munição. O roteiro de Bemis inicialmente é um soco na cara do mercado de quadrinhos da década de 1990. A cena inicial na qual Jared explica de forma resumida o panorama da indústria é sucinta e hilária. Rapidamente o roteiro nos leva até o co-protagonista, o Killstrike e há aquele já tradicional choque de personalidades entre os dois. Bemis amarra direitinho as pontas e dá motivações claras para seu elenco, e apesar de toda a metalinguagem, crítica nítida e as referências à Marvel e DC existe um roteiro bem sagaz (apesar de extremamente simples) sustentando isso tudo. Os diálogos são facílimos de entender e bem velozes. A exposição reduzida dá lugar a vozes distintas entre o elenco pequeno e a leitura voa diante dos nossos olhos. Um detalhe bem interessante é que tanto Jared quanto Killstrike são retratados como dois imbecis meio sem consideração, enquanto a esposa do protagonista acaba sendo a pessoa mais sensata da revista. Esse retrato desmancha um pouco aquela noção de que protagonistas devem ser admiráveis e altivos. Não é o caso aqui, definitivamente.
A arte de Logan Farber é totalmente caricata. Nada aqui chega perto de realismo fotográfico tampouco se aproxima de traço de HQ tradicional de heróis. As formas arredondas dos rostos e o enquadramento reto dá aquela impressão de estarmos assistindo a um desenho animado adaptado para arte sequencial. Um trabalho de arte que se encaixa como uma luva no roteiro debochado de Bemis e dá sustentação gráfica a maioria das piadas referenciais do roteirista com precisão.
"Oh, Killstrike" é uma ácida carta de amor borrada de lágrimas aos leitores tradicionais de quadrinhos. Uma daquelas declarações nas quais você vê nitidamente que foram escritas cheias de sentimentos conflitantes. Quem nunca amou um tipo de quadrinho e se revoltou com os rumos que aquela publicação (e que todo o mercado) tomou em determinado momento? "Oh, Killstrike" é justamente sobre este sentimento. Isso só poderia ser concebido e executado por fãs desta forma de arte. Max Bemis e Logan Farber transformam rancor e humor ácido que é despejado todo dia na internet em um produto agradável, divertido, inteligente e lotado de referências e metalinguagem. Para quem curte este tipo de formato talvez um pouco surreal de roteiro é uma leitura imperdível e um dos quadrinhos casuais mais legais de 2015.
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