quarta-feira, 30 de setembro de 2015

HQ do Dia | The Sandman: Overture #6

O fim do prelúdio definitivo vai te arrastar de volta ao mundo de Sandman.

Lá se vão quase dois anos desde que a primeira edição do prelúdio de "Sandman" (30 de Outubro de 2013) foi publicada pela Vertigo - DC Comics. E os fãs que tem acompanhado o trabalho de Neil Gaiman, J.H. Williams III, Dave Stewart e Todd Klein neste ritmo de publicação homeopático vem experimentando um misto de êxtase e agonia a cada nova revista publicada.

Esta semana o time criativo finalmente revela ao mundo a edição final do prelúdio para o universo de "Sandman". Então prepare-se para reler tudo de novo e no final mergulhar na primeira edição desta histórica publicação com uma perspectiva muito mais profunda sobre a natureza deste amado personagem.

Quando deixamos nossos queridos Sonho, Hope (que deve ser traduzida aqui como Esperança) e o Gato vimos que o estrago causado pelas estrelas ensandecidas devastou quase que todo o universo da revista. Os sobreviventes (ou não) reúnem-se em uma embarcação conduzida por Sonho e são a chave para a salvação. Somente com os esforços de Hope e de todos à bordo a ordem e a criação poderão ser restabelecidas, mas há um grande preço a se pagar. E isso caí na conta de Sonho.

O roteiro de Gaiman e a resolução da trama não tem nada de chocantes, como de fato ocorre na maioria dos prelúdios. Se você leu pelo menos o início da antológica "Prelúdios e Noturnos", sabe mais ou menos como esta história aqui termina. A maneira como a história se encaminham, a condução de Gaiman através de seus deliciosos diálogos e testemunhar algumas sementes de relações futuras e de arcos como "Casa de bonecas" sendo plantadas são coisa que não tem preço para o fã da série. Se você é um novo leitor, logicamente vai ficar cheio de lacunas na cabeça após terminar de ler a sexta parte de "Overture". Gaiman foi até bastante benevolente com vocês na grande parte da série, no entanto aqui não há espaço para exposição. Qualquer explicação adicional quebraria o ritmo e estragaria o clímax absurdo da edição final que mostra literalmente como o universo da revista foi criado e as terríveis consequências para seu protagonista. Digamos somente que Sonho sofre uma transformação que conecta "Overture" diretamente à primeira edição de "Sandman".

A espera entre uma edição e outra de "Overture" se justifica (se não pela belíssima capa) imediatamente quando o leitor bate os olhos na primeira página desta edição desenhada por J.H. Williams III e colorizada por Dave Stewart. Dos círculos concêntricos alternando entre estilos distintos de traçado e pintura na primeira página, ao lindo mosaico caótico no interior do barco de Sonho, passando pelo inebriante "bate papo" com Delírio e chegando até a criação de um universo inteiro... Terceiro e Stewart desenham literalmente a "porra toda e mais um pouco" nesta edição. Somado às fantásticas artes das edições anteiores podemos dizer que "Overture" figura com facilidade no rol dos trabalhos gráficos mais fantásticos já produzidos pelo selo Vertigo, quiçá na DC Comics inteira. Não há mais o que dizer sobre esta arte.

Prelúdios são um tema polêmico. Principalmente se tratando de franquias consagradas e que vendem muito. Por vezes este modelo de história é somente uma desculpa para revisitar um universo popularizado no passado e vender material de qualidade contestável. Nada disso se aplica a "Overture". A mini série de fato não é vital para o entendimento do universo da "Sandman" original, no entanto sua leitura posterior nos faz enxergar a publicação de origem sob uma lente completamente nova. Particularmente nesta conclusão, os novos leitores podem ficar levemente perdidos, mas não por alguma deficiência de roteiro e sim pela complexidade desta mitologia e pelo formato único de apresentação de Neil Gaiman. Com uma das artes mais lindas do selo Vertigo nos últimos anos, "Overture" é um material de altíssimo nível que celebra a série original ao mesmo tempo que nos arrasta de volta a um dos universos mais inovadores da história dos quadrinhos.  


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Valiant | Faith ganha mini série solo em Janeiro

A heroína nerd plus-size da Valiant estrela uma nova aventura solo.

Você conhece Faith Herbert? Se você nunca se aventurou pelos quadrinhos da Valiant Entertainment provavelmente não. Então conheça a moça aqui

Deu uma olhada? Ok. Desde o relançamento deste novo e excitante universo em quadrinhos em 2012, a moça figura no rol dos personagens mais queridos e atuais do mercado editorial. 

Resumidamente, Faith Herbert é uma psiótica oriunda da publicação "Harbinger" de Joshua Dysart, fã de quadrinhos e cultura nerd e dotada do poder de vôo além de uma positividade sobre humana.


Hoje a Valiant anunciou uma mini série em quatro partes protagonizada pela personagem escrita pela autora de "Orphan Black", Jody Houser, ilustrada por Francis Portela (Pantera Negra, Batman: Cavaleiros de Gotham, Legião dos Super-Heróis) além das incríveis pinturas adicionais de Marguerite Sauvage (Angela e 1602: Witch Hunter Angela). 

Saída dos Renegados e posteriormente da super equipe Unity, agora a jovem Faith finalmente consegue um emprego (ironicamente como repórter) e se torna de fato uma combatente do crime em uma grande cidade deste universo.

A primeira edição de "Faith" chega às bancas americanas em Janeiro de 2016.

Para mais sobre Faith leia nossa resenha da one shot estrelada pela personagem lançada no ano passado.

domingo, 27 de setembro de 2015

HQ do Dia | Oh, Killstrike #1

Em "Oh, Killstrike" você leitor, é o protagonista.

Se você está lendo esta resenha provavelmente é um leitor de quadrinhos. Talvez você seja um novo leitor ou um velho leitor, mas isso é indiferente. O fato é que em determinado momento da sua vida, por algum motivo as publicações que você acompanha te irritaram e você teve de dar um tempo... Ou não! Você não deu um tempo na revista, mas se viu acompanhando um material de qualidade duvidosa e ruminando uma amargura lenta. Esta angústia se tornou ranço e até hoje você lembra do filho a puta (ou do bando de filhos da puta) que estragou seus gibis. Esta é a sina do leitor de quadrinhos, seja ele quem for. É ou não é?

"Oh, Killstrike" é um novo lançamento da BOOM! Studios escrito por Max Bemis e ilustrado por Logan Farber que conta a história de um de nós, leitores de quadrinhos. Jared na verdade está longe de ser um leitor casual de quadrinhos. O sujeito, que já é um pai de família, é um leitor antigo e rancoroso que já leu de tudo das décadas de 1960, 70, 80, 90 e abandonou as publicações "mainstream" por conta de todos aqueles motivos que todos nós estamos cansados de reclamar. Ao ver uma oportunidade de ganhar uma boa grana com sua edição número 1 do "pior quadrinho da história", intitulado "Killtrike", Jared viaja até a casa de sua mãe para resgatar o gibi que está em seu antigo sótão. E é aí que o personagem literalmente pula de dentro da revista diretamente para a vida do cara.

Killstrike é o herói quintessencial dos anos 1990: Gigante, carrancudo, violento, unidimensional, sedento por vingança e tem todos aqueles adereços visuais que não podem faltar a um personagem do tipo como as tatuagens, o rifle de assalto gigante, facas táticas e as indefectíveis pochetes de munição. O roteiro de Bemis inicialmente é um soco na cara do mercado de quadrinhos da década de 1990. A cena inicial na qual Jared explica de forma resumida o panorama da indústria é sucinta e hilária. Rapidamente o roteiro nos leva até o co-protagonista, o Killstrike e há aquele já tradicional choque de personalidades entre os dois. Bemis amarra direitinho as pontas e dá motivações claras para seu elenco, e apesar de toda a metalinguagem, crítica nítida e as referências à Marvel e DC existe um roteiro bem sagaz (apesar de extremamente simples) sustentando isso tudo. Os diálogos são facílimos de entender e bem velozes. A exposição reduzida dá lugar a vozes distintas entre o elenco pequeno e a leitura voa diante dos nossos olhos. Um detalhe bem interessante é que tanto Jared quanto Killstrike são retratados como dois imbecis meio sem consideração, enquanto a esposa do protagonista acaba sendo a pessoa mais sensata da revista. Esse retrato desmancha um pouco aquela noção de que protagonistas devem ser admiráveis e altivos. Não é o caso aqui, definitivamente.

A arte de Logan Farber é totalmente caricata. Nada aqui chega perto de realismo fotográfico tampouco se aproxima de traço de HQ tradicional de heróis. As formas arredondas dos rostos e o enquadramento reto dá aquela impressão de estarmos assistindo a um desenho animado adaptado para arte sequencial. Um trabalho de arte que se encaixa como uma luva no roteiro debochado de Bemis e dá sustentação gráfica a maioria das piadas referenciais do roteirista com precisão.

"Oh, Killstrike" é uma ácida carta de amor borrada de lágrimas aos leitores tradicionais de quadrinhos. Uma daquelas declarações nas quais você vê nitidamente que foram escritas cheias de sentimentos conflitantes. Quem nunca amou um tipo de quadrinho e se revoltou com os rumos que aquela publicação (e que todo o mercado) tomou em determinado momento? "Oh, Killstrike" é justamente sobre este sentimento. Isso só poderia ser concebido e executado por fãs desta forma de arte. Max Bemis e Logan Farber transformam rancor e humor ácido que é despejado todo dia na internet em um produto agradável, divertido, inteligente e lotado de referências e metalinguagem. Para quem curte este tipo de formato talvez um pouco surreal de roteiro é uma leitura imperdível e um dos quadrinhos casuais mais legais de 2015.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

HQ do Dia | Dark Corridor

Conheça o novo universo criminal da Image Comics.

Rich Tommaso é um daqueles talentosos veteranos da indústria de quadrinhos que você provavelmente nunca ouviu falar. Com mais de 20 anos de experiência no mercado editorial o artista trabalhou como letrista, colorista, roteirista e ilustrador em quase todo buraco obscuro desta indústria, além de ter fundado seu próprio selo independente chamado Recoil Comics. Em 2015 Tommaso finalmente começa a publicar em uma editora proeminente (a Image Comics) sua antologia criminal chamada "Dark Corridor". 

"Dark Corridor" tem um formato que consiste em dois contos de gênero criminal. Histórias curtas, contínuas e levemente relacionadas entre si que se passam na cidade de Red Circle. A primeira parte do gibi chama-se "Red Circle" e conta a estranha saga de um cão ensanguentado que um belo dia aparece na casa de um policial corrupto. A medida que a história se desenvolve (em um impressionante ritmo para somente 16 páginas) acompanhamos de onde surgiu este animal e como os eventos relacionados a sua aparição afetam este pequeno núcleo de personagens. A segunda história chama-se "Seven Deadly Daughters" e se passa basicamente em um pronto socorro de um hospital no qual um mafioso gravemente ferido conta a dois policiais também corruptos sobre uma receptação de joias que deu muito errado.

O roteiro de Tommaso é ingenuamente simples, mas ao mesmo tempo cheio de camadas que vão sendo "descascadas" no decorrer das curtas histórias. Fortemente inspirado no formato noir criminal clássico, o autor usa e abusa dos clichês do gênero, mas de forma muito leve e natural, muito longe daquele ar mais carrancudo que vemos em séries similares como "Sin City" de Frank Miller ou "Fatale" de Ed Burbaker por exemplo. É um outro formato de quadrinho noir, lembrando brevemente filmes do gênero de Quentin Tarantino como "Cães de Aluguel" ou "Pulp Fiction". O tom dos diálogos de Tommaso transpiram malandragem e são recheados de estereótipos raciais típicos de obras criminais antigas, mas tudo isso com uma roupagem "indie" de fácil compreensão para um leitor casual de quadrinhos. A simplicidade das duas tramas é evidente, mas de forma alguma desqualifica estes dois roteiros que são cheios de personalidade e extremamente envolventes.

Tanto a arte quanto colorização e letras em "Dark Corridor" são de responsabilidade do próprio Tommaso. O estilo do ilustrador é totalmente inspirado em tirinhas clássicas de humor e aventura de jornal de domingo. O contraste de um roteiro violento e com certa dose de temas adultos com uma parte gráfica que lembra Hergé é muito interessante. Mas se engana quem pensa que ilustrações deste tipo são sinônimo de minimalismo. A arte de Tommaso, mesmo neste formato, é extremamente detalhada. Não são em todos os quadros, mas existem passagens como as cenas internas nas quais o ilustrador desenha detalhes de cenário como se fosse uma fotografia. A caracterização do elenco não poderia deixar de ser caricata com seus traços faciais exagerados e feições bem distintas entre os protagonistas.

"Dark Corridor" talvez seja o novo título mais despretensioso de 2015. O autor não faz questão alguma de chocar ou deixar aquele gancho sem vergonha que vemos tão frequentemente nas primeiras edições que tem intuito de fazer você comprar a segunda edição da série. Ao ler esta estreia fica aquela impressão de que Tommaso só quer expor seus bons roteiros criminais no seu ritmo e sem se importar muito com quem vai acompanhar a publicação. Mas não confunda despretensão com descaso. Temos aqui uma publicação com dois roteiros inteligentes, simples e de fácil assimilação, uma arte muito característica e que contrasta com o tom da história e um embrião de um pequeno universo de ficção criminal que pode nos dar ótimas histórias futuras. Uma grata surpresa e uma ótima leitura.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

HQ do Dia | Tokyo Ghost #1

O vício do entretenimento imediato em "Tokyo Ghost" de Rick Remender.

Rick Remender é um autor imprevisível. A cada novo trabalho do roteirista não sabemos o que esperar tanto em termos de premissa quanto em qualidade das histórias. Após a desastrosa saga "Eixo" na Marvel e o recente tie in de Guerras Secretas "Hail Hydra", o autor volta seus esforços para seus trabalhos autorais na Image Comics e em colaboração com o ilustrador Sean Gordon Murphy lança este mês esta "Tokyo Ghost".

"Tokyo Ghost" é um título em quadrinhos de ficção futurista que cai na categoria "distópico". No ano de 2089 a sociedade se tornou um amontoado de consumidores de entretenimento inútil e prazeres sintéticos.

A primeira edição do gibi se passa nas Ilhas da Nova Los Angeles - cercadas por águas tóxicas e povoadas por uma população "dormente" por conta do uso contínuo de entretenimento (que na história é mostrado de maneira extrema como um tipo de droga), o território é governado por mafiosos representados pela corporação de entretenimento chamada "Flak Corp".

Os protagonistas são o casal Debby Decay e Led Dent. Ambos fazem parte de uma espécie de força
policial controlada pela Corporação Flark. As missões da dupla consistem em manter a população sob controle da Corporação. Debby é uma das poucas pessoas (talvez a única) não viciadas em entretenimento de toda a Ilha e tem uma visão clara e objetiva da situação em que se encontra. Em oposição a seu amante, Led - um brutamontes recluso e mudo. Tão intoxicado e adormecido pelo "feed" de entretenimento descartável que lhe é apresentado 24 horas por dia, que acaba se tornando a arma perfeita nas mãos da corporação. A relação entre os dois é a mesma entre um viciado em algum tipo de dependência química e a pessoa que o ama. É difícil entender os dois lados sem ter algum tipo de experiência própria, e este acaba sendo o tema pessoal mais evidente na edição de estreia da revista.

O roteiro de Remender é bastante abrupto, louco, sarcástico e acelerado. Guiado pelas caixas de voz de Debby Decay, a princípio é um pouco confuso para o leitor "entrar" de fato neste universo através deste artifício. Isso se deve à linguagem com alguns maneirismos da personagem e o ritmo frenético do roteiro, no entanto com o passar das páginas, a leitura acaba se tornando mais fácil e no final da edição já temos conforto suficiente até para retornar ao início e reler a história toda de maneira mais clara. Se por um lado a relação entre os protagonistas é forte, conturbada e rica desde a primeira edição, o pano de fundo de "Tokyo Ghost" fica devendo em conteúdo e em termos de sustentação narrativa cai na armadilha do "distópico genérico". Além da premissa de que a população é formada por um bando de zumbis consumistas assistindo um monte de vídeos do "Youtube" 24 horas por dia, não há nada que diferencie este universo da enxurrada de futuros decadentes que apareceram nos quadrinhos nos últimos dois ou três anos. Há ação e violência o tempo todo nesta estreia, tudo isso encharcado com uma ácida e descarada crítica social aos nossos costumes modernos. No entanto, toda esta urgência e cinismo não tem sustentação (ainda) de um contexto geral mais sedimentado, como é visto em algumas outras publicações do gênero.

O que falta ao roteiro de Remender em "pano de fundo", sobra na arte de Sean Murphy. Cenários, cenários e mais cenários. Em quase todas as páginas de "Toky Ghost" nota-se claramente o cuidado na elaboração visual deste universo. Murphy chega ao ápice do detalhismo em sua carreira, sem fugir de seu estilo arrojado e da fotografia contemporânea de seus protagonistas. Os conceitos visuais não são um primor de originalidade, mas a apresentação é impactante do início ao fim. Os protagonistas são únicos e o roteiro acelerado e por vezes meio "sem rédeas" de Remender ganha coerência e nitidez nas páginas desta edição de estreia. Em termos de design novamente o artista nos dá uma amostra do potencial criativo que tem para criação e representação visual de referências à ficção contemporânea.

Não dá pra negar que "Tokyo Ghost" é uma série muito promissora. Por mais que este universo ainda careça (e muito) de conteúdo para se tornar algo único, o conceito proposto por Rick Remender é interessante e pode render boas histórias. Tratar o nosso atual vício em conectividade e informação descartável como uma verdadeira droga debilitante é uma crítica um pouco óbvia, mas que ainda não foi explorada com muita intensidade nos quadrinhos. Com um elenco pequeno e cheio de problemas emocionais, muita ação e uma arte diferenciada, o gibi pode vir a se tornar uma excelente leitura nas edições futuras. No entanto, a estreia ainda fica devendo.